terça-feira, 29 de setembro de 2009

Nó no estômago

Boa notícia para os obesos: nova técnica de cirurgia bariátrica,
ainda em fase de experiência, pode fazer emagrecer com
menos riscos e menos sacrifício


Suzana Villaverde

Arturo Rodriguez/AP



Para as pessoas realmente obesas, as opções são duras: enfrentar a variedade de doenças quase sempre associadas a quem está várias dezenas de quilos acima do peso desejado ou cortar, literalmente, o estômago. Chamada de cirurgia bariátrica por derivação gástrica, a operação reduz o estômago a um pedaço mínimo diretamente ligado à porção média do intestino e pode ter uma série de complicações. As mais comuns são fístulas, hemorragias e embolia pulmonar, num primeiro momento; infecções, aderências intestinais e anemia, posteriormente. Em razão da multiplicidade de riscos do método tradicional, vem sendo bem recebida como opção menos arriscada uma técnica nova, a gastrectomia vertical, que tira um pedaço menor do estômago e mantém todas as suas conexões originais, sem desvios nem atalhos. "Por ser nova e ainda pouco testada, essa cirurgia por enquanto é recomendada só para obesos anêmicos, que tenham deficiência de cálcio e vitaminas, e também para os muito jovens ou muito idosos, que precisam receber todos os nutrientes", explica Thomas Szegö, presidente da Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica e Metabólica (SBCBM). À medida que for passando pelo teste da prática, a técnica poderá se tornar dominante.

Na versão hoje mais comum da derivação gástrica, chamada de cirurgia de Fobi-Capella, realizada em cerca de 75% dos casos, a redução chega a alcançar 95% do estômago. A pequena parte que continua funcional – situada justamente no ponto de menor elasticidade – é ligada à porção média do intestino. Por causa desse atalho, a absorção dos nutrientes diminui drasticamente. A parte isolada do estômago continua produzindo suco gástrico, que é eliminado pelas vias normais, e não precisa ser removida. Já a gastrectomia vertical não altera o caminho seguido pelos alimentos, mas elimina a porção ociosa do estômago. Essa parte, equivalente a cerca de 80% do estômago, é cortada e retirada – o que torna a cirurgia, evidentemente, irreversível. "O que sobra é grampeado. Como o corte é feito ao longo do estômago, ele vira um tubo gástrico que segue do esôfago ao duodeno, na sua sequência normal", diz Szegö. A cirurgia pode ser feita por laparoscopia, às vezes com um corte de 2 centímetros na altura do umbigo, contra 6 da operação tradicional. O tempo de internação diminui para dois dias e a dieta é menos restritiva – e todo mundo já ouviu histórias sobre o sofrimento, e os abusos, de obesos operados que só podem comer porções de passarinho. Ainda não reconhecida pelo Conselho Federal de Medicina, mas regulamentada pela Sociedade desde julho, a nova técnica parece ser tão eficiente quanto a derivação gástrica. A cirurgia bariátrica de qualquer tipo é indicada para obesos mórbidos cujo índice de massa corpórea (IMC) esteja acima de 40 ou na faixa de 35 no caso de pessoas que sofrem de doenças associadas ao peso excessivo, como diabetes ou hipertensão.

Como acontece com frequência na medicina, a eficiência da gastrectomia vertical foi descoberta por acaso. Praticada há cerca de trinta anos como parte inicial de um procedimento mais complexo recomendado principalmente em casos extremos de obesidade, a técnica foi experimentada em 2002 pelo médico canadense Michel Gagner como primeira parte de uma cirurgia bariátrica em duas fases. Mas um grande número de pacientes perdeu cerca de 70% do excesso de peso apenas com a gastrectomia, sem necessidade de passar pela segunda etapa do procedimento. "Acreditava-se que, sem alterar a parte intestinal, a perda de peso não seria tão significativa. Hoje se sabe que sem o fundo do estômago, onde é produzida a grelina, comumente chamada de hormônio da fome, o paciente sente menos vontade de comer e fica mais saciado", diz o cirurgião Ricardo Cohen, que faz operações bariátricas desde 1996 e participou de um estudo com obesos que tinham IMC acima de 50. Entre seus operados havia onze reis momos – hoje, todos bem mais esbeltos. Numa das poucas pesquisas comparativas realizadas até agora, Gustavo Peixoto, professor assistente do Departamento de Cirurgia da Universidade Federal do Espírito Santo, operou no ano passado 65 mulheres obesas, 32 por derivação gástrica e 33 por gastrectomia vertical. Os primeiros resultados, um ano depois, indicam que a perda de peso e o controle de doenças como diabetes e hipertensão foram iguais nos dois grupos. A gastrectomia confirmou vantagens em relação à absorção de nutrientes; a derivação gástrica se mostrou mais eficiente na diminuição do mau colesterol e dos triglicérides. "No momento, a gastrectomia é recomendada como plano B, para obesos com doenças do fígado, inflamação intestinal, pancreatite ou anemia – pacientes até então excluídos do tratamento cirúrgico e que finalmente encontraram uma alternativa", diz Peixoto. "Mas tudo indica que a longo prazo ela vai assumir o primeiro lugar de cirurgia bariátrica."






Fonte: veja.abril.com.br